segunda-feira, 28 de maio de 2018

O Crivo do Voto





No Brasil se utiliza um sistema de eleição onde o candidato a presidente que atingir a maioria absoluta de votos é eleito e assume o mandato para promover a prestação de serviços e prover a manutenção da ordem pública pelos quatro anos conseguintes a partir de primeiro de janeiro do ano seguinte até 31 de dezembro de quatro anos depois. 

Um candidato à presidência cria um projeto de governo, apresenta a população e se os eleitores acatarem aquele projeto como o que mais defende suas demandas e o votarem nele de forma absoluta ele é eleito, nesse caso se cria duas classes distintas: a dos que votaram naquele candidato, que ganharam a eleição e aceita aquele projeto como o melhor, essa classe geralmente representa 2/3 das pessoas (situação). A outra classe é a daqueles que votaram no outro candidato e que aceitaram o projeto derrotado como o melhor projeto e que são contra o projeto que será implantado, essa classe representa 1/3 das pessoas (oposição). 

O Brasil vive um momento que não pode ser considerado um hiato de sua história, já que a maioria dos nossos presidentes não tiveram seus projetos aceitos pela população, não passando assim pelo crivo do voto, a maioria gritante se tornou presidente por golpes de estado ou processos que levaram outros candidatos eleitos a terem seu mandato impedido. 

O único vice-presidente que teve seu projeto aprovado pelo crivo do voto foi João Goulart, porque naquele período em singular, o presidente e o vice não compunham chapa, eram eleitos de forma não relacionada, cada um exercendo seu próprio mandato sem relação com o outro.

Ou seja, a maioria dos presidentes brasileiros não tem seus projetos aprovados pelo voto popular, já que não são eleitos, sejam os vices que tomam posse passando por cima da cabeça de seus companheiros de chapa, sejam aqueles que entram por golpes dilacerantes de estado, é aí que mora a instabilidade. 

Quando um presidente não tem seu projeto eleito ele cria uma nova classe, a daqueles que nem concordam e nem discordam dele, que é a mais problemática. Quando um presidente tenta aplicar seu projeto de forma autoritária, sem coragem de tentá-lo, ou sem capacidade, de passar o mesmo pelo crivo do voto popular ele tem um espaço de instabilidade, que é uma parte da população que nem o odeia e nem o ama, que a qualquer momento pode virar corpo daqueles que o odeiam.

No exemplo pratico deve-se comparar o governo de Itamar Franco e o de Michel Temer, pois ambos entraram por processos de impeachment de seus companheiros de chapa, no caso de Michel Temer processo organizado por ele mesmo.

Itamar Franco teve seu projeto de governo, que não passou pelo crivo do voto, marcado pelo Plano Real que se propôs a reduzir anos de hiperinflação e tentar criar espaços de estabilidade na economia e consequentemente na política. A partir da produção dessa impressão de confiança ele conseguiu transformar o hiato de instabilidade, que é o grupo que nem gosta e nem desgosta, em quadro para o grupo que o apoiava naquele momento e saiu de forma muito tranquila de sua gestão.

Michel Temer não teve nenhuma marca positiva em seu governo, e também tem as pessoas que nem o odeiam e nem o amam, ele tem as pessoas que o apoiam de forma singular e irremediável que são aquelas que foram a favor do impeachment e também tem aquelas que o desaprovam de forma muito incisiva que são os contrários ao processo de impeachment de Dilma Rousseff. A diferença entre Michel Temer e Itamar é que o grupo que “nem o aprova e nem o desaprova” não tombou para a situação como no caso de Itamar, eles tombaram de forma muito densa para o lado daqueles que o desaprovam, a oposição.

Um governo que não tem seu projeto aprovado pelo voto, pois a questão básica é muito simples: economistas, cientistas de todas as áreas, gente que estuda e analisa a área pode até emitir pareceres muito bons sobre qualidade de projetos, mas a peneira que separa os projetos bons dos ruins é á do voto, então sempre deve ter como base de qualidade os votos, logo, quando um projeto não passa pelo crivo do voto ele tem muito mais chances de ser desaprovado do que um projeto ruim que passou pelas urnas.

É complicado entender isso, mas a questão é que a maioria das pessoas apoia os governantes que elas elegeram até o fim, e aqueles que se oposicionam a ele também o fazem até o fim, mas quando o sujeito não é eleito à chance de todas as massas populares se virarem contra ele é muito maior, já que ninguém tem relação ideológica-eleitoral com aquele sujeito.

Um bom exemplo é os caminhoneiros que hoje encabeçam o movimento contra Michel Temer: apoiaram a entrada de Michel Temer, porém como não tem ligação ideológica com ele, hoje são a representação dos movimentos que lutam pelo fim do “Mandato” do atual presidente. 

A democracia demanda eleições constantes e limpas, além do respeito ao resultado das mesmas, pois todas as vezes que passamos por governos que não foram eleitos, como o de Michel Temer e em casos mais profundos como o dos militares, as implicações desses mandatos foram devastadoras.

Ainda nos dias atuais são enfrentados problemas decorrentes pela ditadura, período marcado pela destruição das representações populares e que gerou aos brasileiros um sentimento de descrença em relação a classe política, o que era o estopim que os militares sempre se utilizavam para se manter no poder sem ter que atravessar o crivo do voto, sem ter necessidade de ter seu projeto aprovado por um pleito, a repressão na verdade era a política pública mais aplicada e desenvolvida naquele governo.

O governo Sarney se propôs a tentar algumas mudanças, realmente tinha a frente dessas mudanças sujeitos extremamente antinacionalistas e de pouca preocupação social e que tinham mais interesses pessoais no governo do que realmente uma missão com os famélicos da nação, mas o fato de Sarney não ter sido eleito, e ter assumido um mandato galgando sobre o sarcófago de Tancredo Neves aprofundava ainda mais a desconfiança do povo diante de suas medidas, promovendo assim um governo também desastroso.

Platão disserta que a democracia é o pior tipo de governo que existe, mas é o melhor que a humanidade já teve acesso, e essa é uma realidade que todos que são expostos as ciências sociais aplicadas muito claro, pois com todos os seus defeitos, a democracia transmite confiança quando ela é o motor principal de qualquer projeto de governo que busque ser um projeto novo de estado e de reestruturação popular.

Portanto, todo projeto deve ser aprovado pelo voto para ter estabilidade enquanto o mesmo estiver em vigor, pois sem apoio popular nenhuma ação de governo consegue virar ação de estado e prosperar promovendo o desenvolvimento do país ou qualquer espaço para o qual ele foi eleito. 



“Não se iluda comigo, leitor. Além de antropólogo, sou homem de fé e de partido. Faço política e faço ciência movido por razões éticas e por um fundo patriotismo. Não procure, aqui, análises isentas. Este é um livro que quer ser participante, que aspira a influir sobre as pessoas, aspira a ajudar o Brasil a encontrar-se a si mesmo” (Darcy Ribeiro, 2001, p. 17).







Por: Júnio Matheus da Silva Cruz

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