"Só
quem constrói o futuro tem o direito de julgar o passado"
(Nietzsche)
Resguardadas nossas divergências sobre o modelo eleitoral brasileiro
e as regras eleitorais, reconhecemos o processo de escolha dos nossos
legisladores e executores das políticas públicas como um direito conquistado,
há de se dizer há duras penas no caso brasileiro. Neste sentido, cumpre dizer
que os processos eleitorais são fundamentais a democracia e as instituições
políticas, mas, pensar a eleição como um fim e não como um meio, tem sido uma
característica incorporada pelo PT dos partidos tradicionais, de representação
de interesses econômicos e de manutenção do “status quo”.
Assim, não a pretensão de fazer aqui uma analise prescritiva, pois,
esta tarefa será confiada ao encontro da nossa tendência. O que consideramos
importante é trazer a baila um breve arrazoado sobre os fenômenos políticos com
que estamos lidando, a conjuntura nacional sob a luz dos governos Lula e Dilma
e o desvio de foco das prioridades centrais, fazendo com que tratemos as
questões secundárias como prioritárias.
Inovar, romper com as atividades mecanizadas, irracionais e
ácriticas é uma tarefa revolucionária, tentar buscar cada vez mais chegar na
radicalidade de um movimento que pretende por si ser ousado, herege e anormal.
Temos percebido uma oxigenação ainda lenta de quadros no PT, ao qual
acreditamos não ser o principal desafio, dado que o aspecto temporal e natural
cumpre este papel, assim o que nos preocupa é nossa capacidade em inovar nossa
síntese política. Conforme anteriormente escrito pelo companheiro Leandro Cruz,
“temos a mania de achar vitória até nas derrotas”, e esta característica é uma das que nos coloca
em grande grau de conformismo, de aceitação e legitimação das questões que não
compreendemos na totalidade e assim reproduzimos discursos sem qualquer nível
de critica.
Os últimos 10 anos no comando do governo central nos permitiram
muitas conquistas políticas, que, sem eufemismos, e sob um olhar mais atento, podemos
afirmar que não alteraram a matriz da sociedade brasileira que permanece a
mesma. De um lado uma parcela de trabalhadores exercendo sub-empregos, empregos
informais sem garantias e super-explorados , a classe média convivendo com uma
carga tributária alta e os grandes empresários acumulando fortunas e aplicando
lucros nos mercados de capital especulativo. Cenário claro de que temos muitos
desafios ainda quando tratamos dos conceitos Transferência de Renda e Igualdade
Social.
Do ponto de vista dos investimentos sociais 64% do nosso montante é
gasto na Previdência Social, um direito contributivo, sabendo-se que estes
gastos não são focalizados e por isso não corrigem distorções. Este gasto
previdenciário, conclui-se então que exacerba as desigualdades presentes no
Brasil. Do ponto de vista da política urbana, a esquerda brasileira pouco
acumulou, as melhores contribuições vem da academia e nos alertam para que as
decisões urbanas não sejam reduzidas a projetos de engenharia, mas, que passem
por decisões políticas que considerem toda desigualdade produzida no espaço
urbano.
A doutora Ermínia
Maricato (2009) fala da história do planejamento urbano no Brasil, demonstrando
a infinita sobreposição de modelos de dominação que, utilizando-se do controle
sobre o poder político e a burocracia estatal, a legislação, e a economia,
permitiram a eterna produção de um espaço urbano de segregação espacial e
exclusão social, voltado apenas aos interesses das elites dominantes. Assim,
ela afirma que o MST é marginalizado pela luta por reforma agrária, uma luta
que deveria ser de todos nós, pois os verdadeiros invasores de terra são os
grileiros que atuam na maioria dos casos com ajuda da burocracia estatal. Desta
forma interessa aos interesses clientelistas presentes na cultura política
brasileira esta situação desastrosa, haja visto que a regularização destes
territórios é realizada pelos órgãos públicos quando isto interessa aos
gestores políticos.
Em razão da dualidade
constitucional presente na oferta dos serviços e da expansão da esfera pública
não estatal, no Brasil, associamos a nossa noção de cidadania diretamente ao
consumo de bens. Despercebidamente associamos o nosso ideal de democracia ao
sufrágio universal, assim como associamos a nossa idéia de transformação da
sociedade a mudança de governos de orientações ideológicas diferentes. Desta
forma, caímos em paradigmas simplistas frente à complexidade. Se nosso
compromisso vem em produzir igualdade social e ela atrela-se ao poder de
consumo (mecanismo corrente do capital) e contraponto distanciamos o conceito
de democracia apenas nas mudanças de governo, tão pouco popularizamos espaços
tão valiosos como fóruns, conselhos e conferências. Estes espaços como exemplo
ainda distantes da grande maioria do povo brasileiro, exemplo que, temos dificuldade
de construir Conselhos Municipais de Saúde ou de Assistência Social que tenham
verdadeiramente a presença dos usuários destas políticas e que ao mesmo tempo,
os mesmos quando neles encontram-se tenham poder de decisão.
Norberto Bobbio certa vez escreveu que o líder governa, e o líder
carismático cria movimentos. O PT tem dois grandes lideres carismáticos
mundiais Lula e Dilma que criaram movimentos mais fortes na esfera da política
internacional do que propriamente na agenda política nacional. Rompemos com o
modelo monetarista do Governo FHC, e resgatamos a agenda
sócio-desenvolvimentista, iniciada no período Vargas. Mas essa agenda não
aprofundou as mudanças estruturantes, e podemos afirmar que estruturas do
capital privado no Brasil estão mais fortalecidas que antes. Recentemente foi
divulgado pelo IBGE que a distancia entre ricos, muito ricos, pobres e muito
pobres diminuiu somente se comparados os ricos e os pobres, se comparar os
muito pobres e os muitos ricos na maioria banqueiros e investidores da
especulação e do mercado de crédito, as diferenças são astronômicas.
Completamos 10 anos no governo central sem conseguir taxar as
grandes fortunas, sem conseguir fazer uma política agrária de democratização de
terras justa, sem conseguir transformar a base da sociedade que concordando com
Marx só se dara quanto forem alteradas as relações no mundo do trabalho. Os
povos indígenas continuam na luta pelo reconhecimento de suas terras
enfrentando sem a devida proteção do estado os grileiros de terras, os povos
quilombolas estejam talvez em situação pior, dado que o reconhecimento de suas
terras sem a efetivação de desapropriação das mesmas só esquenta os conflitos
no campo. Ou seja, a estrutura agrária e fundiária no Brasil ainda é
concentrada na mão de famílias tradicionais, grandes empresas e grileiros de
terras públicas.
Enfim, nestes 10 anos no
governo, não conseguimos sequer alterar as regras das disputas eleitorais.
Comemoramos irracionalmente a derrota de adversários regionais como se
estivéssemos derrotado todo o complexo sistema que impede o crescimento do país
ou o banditismo praticado pelos empreiteiros corruptos aliados a homens que
ocupam cargos públicos e operam para a iniciativa privada, como se o derrotado
fosse a política neoliberal privatista
ou os opressores da classe trabalhadora.
Por fim retomamos o
debate eleitoral, utilizando de uma frase do companheiro Vitório Junior
“fazemos um esforço de elefante para parir um rato”. As disputas eleitorais
servem hoje mais as estruturas e dirigentes partidários, financiados com
capital privado do que para o conjunto da sociedade dispersa, que espera por
mudanças. Não estamos questionando aqui os entraves da democracia, questionamos
a política majoritariamente incremental dos governos de esquerda. Criticamos
com o devido respeito, a forma com que temos sido flexíveis com os problemas
centrais do Brasil e atuado fortemente nos secundários. Assim, o PT convive com
um aparato normativo exagerado e com uma radical flexibilidade dos mesmos.
Não vivemos em uma democracia bipartidária, de gabinetes
monopartidários e por isso nossa tolerância em governar com os diferentes, é
uma missão e não uma opção. Mas como separar os diferentes dos antagônicos?
Concluímos afirmando que muitas transformações estão em curso no
país, mas, em sua maioria são ações pontuais e não alteram definitivamente a
matriz da sociedade brasileira. Que resumimos como sendo industrial, com grande
concentração fundiária, com planejamento urbano voltado para os interesses
imobiliários, com uma democracia de sufrágio universal dirigida pelas elites
políticas que são em sua maioria dirigidas ou influenciadas pelas elites
econômicas, com um sistema previdenciário que promove e exarceba as
desigualdades, com uma desarmonia entre os 3 poderes e um federalismo amplo que
dificulta a implementação de políticas nacionais.
Enfim, nossos desafios
são do tamanho do Brasil.
Glênio Martins – Graduado em Comunicação Social,
Pós Graduando em Especialização em Políticas Públicas
–UFMG, Chefe de Gabinete do Incra em Minas Gerais e membro da direção nacional do MAIS
PT.
Leonardo Koury
Martins – Assistente Social,
Autor de 3 livros, Gestor de Políticas Públicas de Educação em Contagem MG e
militante do MAIS PT.