domingo, 28 de julho de 2013

Médicos. Corporativismo não é Sindicalismo




Desde a Constituição de 1988 e a aprovação da Lei Federal 8080/90 o Brasil inicia uma série de profundas mudanças referentes à construção da Política de Saúde em todo território Brasileiro.

Não por uma questão apenas organizativa, mas o Sistema Único de Saúde – SUS tem como principal proposta, a constituição de uma rede de direitos em saúde e a compreensão territorial e organizacional da oferta pública nos municípios.

Saem às ideias que contribuem fortemente pela medicalização e começam a surgir espaço para pensar qualidade de vida em saúde.

Para não ser descontextualizado, gostaria de construir em três pontos um argumento que a cada dia reforça que os graduados em medicinas, deixando claro que não são doutores, se auto-excluem enquanto categoria profissional de toda esta nova construção. Obviamente não são todos os profissionais graduados em medicina, mas nem todos tiveram espírito “guevarita” para pensar que sua formação deve servir ao povo e não a si mesmos.

O primeiro ponto da minha argumentação encontra-se na forma de contratação de todos os profissionais no campo da saúde, desde os profissionais de nível médio como administrativos, agentes comunitários, técnicos em nutrição e de técnicos de enfermagem, quanto os profissionais de nível superior, incluindo os graduados em medicina.

O SUS ao tratar todos os profissionais como iguais e trabalha pensando que os mesmos devem trabalhar por carga horária e não por número de atendimento. A carga horária é fundamental para sair da lógica do atender, numericamente, para atender com tempo todos os pacientes possíveis. Assim traria igualdade no atendimento, seja ele do graduado em medicina que antes do SUS atendia 30 pacientes em menos de 2 horas e voltava para casa ou outro “bico”, trazendo uma péssima qualidade na consulta. O atendimento por sua vez seria buscado como no trabalho do profissional Assistente Social ou Terapeuta Ocupacional que atenderia conjunto a outro profissional como também o graduado em medicina, no seu período de 20, 30 ou 40 horas semanais, assim como nos plantões hospitalares.  A grande ideia é buscar qualidade, interdisciplinaridade e complementaridade e por fim a ideia de número por atendimento.

Outra grande questão é a proximidade que cada vez mais o SUS faz com a interdisciplinaridade e o diálogo no território e com a população. Além de uma prerrogativa básica dos princípios da Lei Federal 8080/90, o SUS traz como condição do trabalho o espaço de ouvir diversos saberes integrados, como no atendimento das políticas em saúde metal, como exemplo um enfermeiro e psicólogo agem conjuntamente, como em pensar estratégias de atenção em saúde em domicílios que o problema é contaminação da água. Entre estes dois atendimentos o diálogo com o Agente Comunitário de Saúde ou de Endemias se faz fundamental para a melhoria do atendimento da população, além de aproximar a realidade vivida do procedimento a ser executado pelos profissionais.

A última questão, que interdialoga claramente entre os primeiro e segundo pontos aqui apresentados, é a de que um usuário ou usuária do SUS pode ter um tratamento de pressão alta com exercícios físicos, ou até mesmo, evitar a depressão em grupos de socialização no território, ginásticas, caminhada e academias públicas. Esta última questão ataca drasticamente a medicalização, financiada pelas indústrias farmacêuticas que estão no hall das grandes financiadoras dos congressos de médicos. Laboratórios famosos que antes financiavam as famosas amostras grátis passam também a ter esta caridade proibida pelo estado brasileiro.

Afinal, quem nunca recebeu de indicação médica um remédio A ou B, ao invés de ter o direito à escolha da estratégia do tratamento ou escolha do medicamento mais barato. É como se fosse induzida a toda população a necessidade de beber o refrigerante que financia mais viagens aos médicos, sem considerar que existem outras bebidas mais saudáveis ou até mesmo outras marcas de refrigerante melhores ou mais baratas.

Portanto, com todas estas inovações e alternativas qual pensa o SUS na ótica da saúde como qualidade de vida e não na lógica saúde doença a categoria profissional dos médicos continua a discursar com a ideia de que o atraso é mais lucrativo, mesmo que seja pior a população. Esta categoria deseja que o SUS dê errado, dialogam a cada atendimento com a população que o SUS não é ruim, reafirmam que é precarizado, reforçando assim a falta de humanização do SUS quando tratam mal a população mais pobre, além de desvincularem a cada dia de um atendimento interdisciplinar. Fazem a população pagar pela arrogância de uma falsa hierarquia do conhecimento.

Os graduados em medicina ainda tentam reforçar o conceito arcaico de que cada atendimento tem valor em certos reais e certos centavos. Preferem claramente trabalhar no modelo “plano de saúde” e ou atendimento expresso para quanto mais atender, mais dinheiro ganhar, além de pensar os remédios como única alternativa para todas as situações de problemas de saúde.

Esta categoria que se propõe ser elitista desde sua formação tem um baixo índice de comprometimento profissional com o povo brasileiro, pois formam e buscam enriquecer no atendimento privado e em certas especializações que por fim acabam atendendo a si mesmos. Não querem trabalhar no sistema público, principalmente nas periferias e cidades do interior. Dão-se ao direito de escolher o público a ser atendimento pela cor e condição social e não pela necessidade.

Atualmente repudiam uma das dezenas de alternativas de governo para que os mesmos interiorizem seu conhecimento, condicionando a necessidade de seu trabalho ser popularizado e com financiamento vinculado ao atendimento da população mais pobre, chamam a ideia de escravidão branca.

Os graduados em medicina, que não doutores, não entenderam que corporativismo não é sindicalismo, que suas pautas estão longe de uma defesa de melhoria da qualidade profissional, mas apenas ilustra a necessidade de outros olhares pela saúde pública brasileira. O olhar corporativo da categoria pouco  serve a quem precisa da saúde no Brasil.

Certamente a saúde pública precisa de muito mais para atender a população, mas antes de qualquer coisa, precisa a cada dia estar a serviço do povo brasileiro e não de uma nefasta e fascista manifestação corporativa. Esta que a mais de 20 anos caminha distante da humanização do SUS.


Leonardo Koury - Escritor, Assistente Social, Educador e Militante dos Movimentos Sociais






domingo, 21 de julho de 2013

Uma década sem Sabotage, talento resgatado de uma boca de fumo



“Essa talvez seja a maior falta que ele faz, por ter pensado muito em fazer coisas diferentes e não ter tido tempo suficiente para realizar. A música nacional foi quem mais perdeu.”
Por: Jorge Américo e José Francisco Neto

Oportunidade de gravar CD foi decisiva para que Maurinho se tornasse um dos rappers mais conhecidos do Brasil. Moradores da Favela do Canão ainda não superaram a perda, e o engrandecem como artista e como pessoa.
Chegou lá e falou pra nós que estava ‘descabelado’. Ele tava armado e com uma pilha de papel de droga em cima.”
A descrição parece cena de um dos inúmeros filmes brasileiros que retratam o tráfico, mas o protagonista é um personagem da vida real: Mauro Mateus dos Santos, que em pouco tempo ficaria nacionalmente conhecido como Sabotage.
Parecia impossível, mas os rappers Rappin Hood e Sandrão foram até o ponto de venda de droga (“boca”) determinados a apresentar uma alternativa ao jovem, como narra o próprio Hood.

“Nós viemos te buscar. Você tem que largar esse bagulho, tio. Você vai com nós, irmão. Aí ele perguntou: ‘você está falando sério?’ eu disse que era isso mesmo! Nós vamos fazer uma corrida pra você gravar um CD. Aí mandou chamar o patrão, que enquadrou nós ainda. ‘Você vão levar o menino, mas e se um dia ele voltar aqui? Não vou dar trabalho pra ele, não! Aí a gente falou que ele não ia voltar. E o restante da história todo mundo conhece. Sabotage virou um dos maiores ícones do rap.”
Considerado uma lenda no movimento Hip Hop, Sabotage começou a carreira em 1998, fazendo parcerias com o grupo RZO (Rapaziada da Zona Oeste). A partir daí, com estilo próprio de cantar e criatividade nas composições, o músico disparou até chegar às telas do cinema nacional. Participou do filme “O Invasor” (2001), de Beto Brant, e também de “Estação Carandiru” (2003), de Hector Babenco.

Sabotage ganhou, no final de 2002, o Prêmio Hutus como revelação do ano e personalidade do movimento Hip Hop. No entanto, a ascensão meteórica foi interrompida por quatro disparos à queima-roupa há dez anos. Wanderson Rocha, o Sabotinha, de 20 anos, filho mais velho do cantor, lembra daquele dia como se fosse hoje.
“Eu lembro até hoje o que o repórter falou na televisão: ‘Mauro Mateus dos Santos, conhecido como Sabotage, foi assassinado hoje por volta das seis da manhã.’”
Na data em que sofreu o atentado, Sabotage viajaria para Porto Alegre (RS), onde, no dia seguinte, seria atração surpresa em uma das atividades do Fórum Social Mundial. Coincidência ou não, no dia 25 de janeiro, em meio aos anseios dos povos por transformações estruturais na sociedade.
Maestro do Canão.

Chamado Maestro do Canão, Sabotage colecionou afetos no lugar onde cresceu. Com a força de sua música, fez a pequena comunidade onde vivem 18 famílias ser quase tão conhecida quanto a Favela da Rocinha, com seus 70 mil habitantes.
Passados 10 anos da trágica morte, moradores da Favela do Canão ainda não superaram a perda de Maurinho. São inúmeros os relatos que o engrandecem como artista e como pessoa.
“Ele era extrovertido. Gostava muito de cantar.”
“Maurinho foi do nada. O sonho dele foi realizado. Quando ele fez sucesso, ficou no auge mesmo, a gente perdeu ele”
“Acho que nunca mais vai ter um ídolo daquele na comunidade que nem ele não vai ter mais não. As crianças hoje em dia levam como exemplo as músicas dele. A gente também mudou bastante. A gente leva o que ele deixou no coração como exemplo, e vamos passando para as nossas crianças. Eu vi ele escrevendo ‘Respeito é pra quem tem’. Nossa, Maurinho era foda. Até arrepia.”
Versatilidade

O cabelo espetado – inspirado no rapper americano Coolie –, o flow (estilo melódico) peculiar, a paquera com o cinema e o linguajar típico da malandragem transformaram Sabotage em uma personalidade insubstituível no rap. Mas o que mais chamou atenção em seu trabalho foi a versatilidade e a capacidade de dialogar com outros ritmos musicais.
Tais qualidades são destacadas pelo documentarista Ivan Vale Ferreira, que vem trabalhando no documentário “Sabotage, o maestro do Canão”, que retrata a vida e carreira do rapper.

Ferreira compara a morte de Sabotage com a de renomados artistas. Para ele, Maurinho, como era conhecido entre os amigos, tinha muito a doar para a música brasileira.

“Pra mim é como se ele fosse Cássia Eller, Chico Science, pessoas que morreram no auge da carreira. Essa talvez seja a maior falta que ele faz, por ter pensado muito em fazer coisas diferentes e não ter tido tempo suficiente para realizar. A música nacional foi quem mais perdeu.”


sábado, 6 de julho de 2013

OCUPAÇÃO CÂMARA: Lições e conquistas de uma BH Popular


Passados mais de 168 horas de ocupação na Câmara Municipal de Belo Horizonte alguns olhares, observações e entendimentos conseguimos construir ao longo e tanta luta popular.

Não tenho o interesse de fazer um diário, nem mesmo um longo histórico, afinal, ainda é cedo para contextualizar de forma responsável tamanhos aprendizados, mas é obrigatório que cada militante ali presente tenha o dever de compartilhar esta experiência com quem mesmo ausente em corpo este presente apoiando nossa luta e nosso movimento.

Assim como no formato da Assembleia Popular Horizontal que já vinha sido construída em Belo Horizonte antes mesmo da ocupação da Câmara de BH, este espaço foi constituído sem a pretensão de donos ou chefes, menos ainda de comandantes e comandados. A nomenclatura Horizontal é definitivamente a junção teórica e prática da identidade do movimento em Belo Horizonte e um amadurecimento das lutas sociais. 

Comissões, espaços de debates, horizontalidade nas relações de poder e combate de responsabilidade educativa e coletiva a toda forma de opressão foram tarefas diárias para quem acreditou ali não apenas em ocupar, mas em aprender a construir um mundo melhor. 

Se a utopia serve para caminhar, caminhamos conjuntamente nestes dias de boa alimentação, noites culturais, organização coletiva e aulas diversas sobre temas como orçamento público, reforma política, reforma urbana entre outros momentos. Vários dias sem violência, sem crimes, discordância e sem a presença da polícia entre nós. Certamente os vândalos ali eram diferentes do que a grande imprensa diz.

A revogação do aumento ou mesmo a auditoria externa das contas públicas da capital certamente frente a todo este ensinamento vivido é muito pouco para ser contabilizado de conquistas. Educamos entre si na necessidade da unidade dos movimentos sociais, da organicidade na luta contra as opressões e compreendemos o Dever de #OcuparBH

"Um povo forte, não precisa de heróis" Bertolt Brecht

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Leonardo Koury Martins - Escritor, Assistente Social e Militante do Movimento de Ação e Identidade Socialista

“Acordei com um sonho e com o compromisso de torná-lo realidade"
Leonardo Koury Martins

"Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar"
Saramago

"Teoria sem prática é blablabla, prática sem teoria é ativismo"
Paulo Freire

"Enquanto os homens não conseguirem lavar sozinhos suas privadas, não poderemos dizer que vivemos em um mundo de iguais"
M.Gandhi

"Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres"
Rosa Luxemburgo