Dizem por aí que o Brasil é o país do futebol e que aqui, todo cidadão tem um pouco de técnico e comentarista. O futebol ocupa capas de jornal, horários nobres nos noticiários televisivos e é o protagonista das conversas de mesas de bar. Os intelectuais afirmam que é um esporte muito democrático, artistas cantam as plásticas do futebol e homenageiam seus times. Todo menino já jogou bola: em casa, na escola, na praia, no campo, na quadra, ainda que nunca tivesse levado muito jeito para a bola nos pés. Tem os fanáticos, os que gostam, os que nunca foram ao estádio, mas todos tem um time.
Se você é homem e leu esse parágrafo inicial, provavelmente achou tudo natural. Se é mulher, provavelmente não se sentiu incluída sequer no português. Pois é.
Acontece que o o universo do futebol é caracterizado, desde sua origem, como um espaço majoritariamente masculino. Não só no futebol como esporte, mas também nas suas manifestações culturais. A pelada é um espaço masculino, o bar depois do jogo é um espaço masculino, as discussões sobre o impedimento do final de semana são masculinas e o respeito pelas opiniões futebolísticas, também.
Mesmo se tratando do esporte mais popular do Brasil, o futebol demorou a aceitar mulheres tanto como torcedoras (afinal, mulheres fora do próprio lar não eram muito bem vistas), tampouco como atletas, sendo inclusive proibidas de praticarem o esporte, que utilizava como justificativa a preservação da “capacidade procriativa” da mulher. O que pode parecer absurdo agora, era totalmente justificável num passado bem recente e mesmo que alguma coisa tenha mudado, fica a pergunta: o que realmente mudou na relação entre a mulher e o futebol? Atualmente, vê-se os mesmos preconceitos, a mesma falta de oportunidade no menor incentivo ao futebol feminino, desde a organização dos eventos até o financiamento dos times. Os mesmos estigmas que marcaram nossas avós no que diz respeito ao esporte e lazer nos assombra hoje, como forma de dizer: futebol não é coisa de mulher!
Que mulher que gosta de futebol nunca ouviu, mesmo que nas entrelinhas que futebol é coisa pra homem? Que teve sua opinião diminuída sobre aquela falta fora da área só por ser mulher, mesmo que depois o tira teima-teima provado que foi mesmo fora da área? Que se percebeu como a única em um grupo de dezenas de homens a caminho do estádio?
A presença da mulher no futebol ainda é muito caracterizada por três esteriótipos de mulher. A masculinizada e por isso, entende de futebol tanto quanto um homem. A musa, caracterizada também por não entender de futebol, mas por seus atributos físicos padronizados e por compor o tripé: cerveja, futebol e mulher, onde o que importa é sempre, a opinião e a diversão do homem. E por fim, a acompanhante, que está no espaço do futebol por acompanhar o homem, que é o verdadeiro interessado no assunto. Acontece que nós também somos mulheres, gostamos de futebol, mas não nos incorporamos em nenhuma das três características acima e queremos participar, assistir, torcer e jogar futebol sem sofrer com o machismo tão inerente em todas as coisas da sociedade, mas ainda mais exacerbado no futebol.
E se você achou que isso é coisa de militante-feminista-chata-radical, nós vamos ao exemplo prático, pra te provar o quanto o machismo e o preconceito continua a limitar e castrar até mesmo o divertimento em nossa sociedade. Porque se tudo fosse como ditam o status quo, poderíamos concluir que o futebol é para homens, brancos, heterossexuais e de elite. Afinal de contas, não são sempre as mães dos juízes, os negros (com tristes episódios de racismo, principalmente no futebol europeu) e os gays os maiores alvos dos xingamentos e piadinhas? E o que dizer dos contratos milionários de exibição na TV, que impõe os horários aos jogos? E o quanto se gasta para ir ao estádio atualmente, não seria para afastar a classe trabalhadora do futebol?
A verdade é que o futebol tem perdido sua característica popular. É por isso que nós, mulheres, reivindicamos o direito de gostar de futebol! E chamamos todos aqueles que também o adoram, a entrar em campo por um futebol sem machismo e sem qualquer forma de preconceito e opressão. Não podemos esperar que os cartolas apontem soluções para isso. Façamos nós, dos nossos estádios, um lugar cheio de gente de todas as cores, bandeiras, homens, mulheres e paixão, como o futebol pede!
Autoria: Camila Moreno é vascaína doente. Luara Ramos é louca pelo Galo. Elas são socialistas, feministas, adoram uma conversa de boteco e sabem quando é impedimento sem precisar do replay.