sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Intolerância, Dialética e reflexões sobre os espaços do ME.


Hoje parei para ler o que Trotsky falava sobre Stalin e vice versa, nessa de ler e reler tais opiniões que às vezes nem tão sinceras percebi que no meu passado de militante do Movimento Estudantil reproduzia certas segregações sobre ideologias (muitas das vezes apenas reproduzidas) e não chegávamos a lugar algum.

Nos últimos dias, no credenciamento do CONEB da UNE reencontrei os mesmos companheiros de sempre, os mesmos que antes quando eu era militante assíduo do ME encontrava entre as universidades e congressos e como hoje estive na mesma nostalgia.

Nessa de lembranças resolvi reler um trecho do Manifesto Comunista no qual Marx e Engels escrevem algo muito interessante que tenta mostrar a toda esquerda a necessidade da união para conseguir de forma totalista (e não totalitária) chegar ao Socialismo ou a uma sociedade diferente da ordem imposta nos nossos dias.

Digo uma ordem diferente porque os dois autores entre outros nos ensinaram sobre a dialética, que o não e o sim poderia dar o talvez ou a ordem versus a desordem fossem gerar um ordenado diferente. Mas para isso inicialmente deveríamos entender que os proletários de todos os países deveriam se unir. O ME nesta situação não poderia ficar de fora “né"?

Mas sobre este, estar fora ou lutar conjunto, repensei, seria possível mais um CONEB ao qual falaríamos que somos de esquerda, mas nos separamos apenas porque reproduzimos ideologias que muitas das vezes nem são nossas? Não digo na disputa de forças as quais são legitimas, mas proponho aqui debater a segregação ideológica que muitas das vezes cai na lógica da alienação.

A alienação em sua raiz grega diz ser a reprodução total do que não se é nosso não se é realmente desejado por nós, quando falamos pelo outro e não nos convencemos de fato se falamos por nós. Será que somos tão Marxistas? Leninistas? Stalinistas? Será que não somos apenas o que lemos para nos sentirmos intelectualmente satisfeitos para termos assunto coletivo ou cremos organicamente nas nossas leituras.

Será que podemos dizer que somos socialistas, acreditamos num mundo de oportunidades iguais se na pratica dos nossos DA s e CA s somos machistas e homofóbicos. No nosso dia a dia não sentamos do lado de um portador de HIV e nas idas até os congressos cantamos hinos de guerra na qual o mundo socialista não prega o assassinato coletivo e sim a luta de classe. Será que sabemos o que é luta de classe? Debatemos este tema para dentro e não para fora.

Percebo as forças políticas debatendo concepções que terminam na contagem de seus delegados e no pragmatismo personalista de que seus delegados muitas das vezes sequer sabem quais decisões os seus “lideres” e seus “comitês centrais” decidem.

Debatemos socialismo, mas não damos a oportunidade aos nossos delegados decidirem muitas das vezes sobre seu próprio voto, mas “batemos na tecla” que somos democráticos. Não se pode separar no meu ponto de vista teoria de prática como não se pode separar sonhar um mundo de igualdade da democracia das decisões.

Não se pode separar construir um mundo diferente nos Movimentos Sociais sendo que acreditamos que força A ou B que tem como teórico orientador X ou Y que não é de esquerda é de direita sendo que a direita esta enquanto debatemos sobre um mundo melhor em suas salas de escritório decidindo por nós salários e formas de opressão. Não proponho união pela união, mas análise crítica como diria José Paulo Netto, pois quem erra na análise erra na ação.

E como Platão dizia não se pode mover o mundo se não começar a mover por si mesmo. Não dá para debater sobre Stalin se não ler as críticas de seus “opositores” e vice versa. Como Marx estaria convencido do Socialismo se não tivesse antes estudado o Capitalismo? E como Rousseau diria que o estado de natureza acabou quando houve a propriedade privada se não lesse o contrato social de Hobbes ou Locke, não é?

Não podemos dizer do que não gostamos se estamos convencidos que o outro lado não é o que quero e estou convencido que quero assim como Milton Santos que outro mundo possível, pois a opressão que vivo e a desigualdade que me perpassa não me agrada.

Do mesmo jeito que não posso falar em uma teoria crítica se minha prática é positivista calcada do que sei é certo e o que o outro diz é errado porque é do outro. Sendo unocentrico, homofóbico e machista apenas para me reafirmar ao coletivo como diferente sem perceber que ser assim é ser igual a esta sociedade que somente me vê enquanto consumidor e não enquanto sujeito / coletivo como dizia Florestan Fernandes.

Proponho que nossas relações de poder se estiguam quando percebemos que uma outra ordem societária é possível, mas não na igualdade pela igualdade, mas sim na igualdade pela diferença, pois ser diferente é a única forma de percebemos quem somos e para que existimos, para que possamos perceber o mundo a cada dia de uma nova forma já que não somos formados para militar e sim militamos nos Movimentos Sociais para conjuntamente irmos nos formando.

Antônio Gramsci já dizia que um intelectual orgânico deve estar em constante formação para que sua arrogância acadêmico-teórica não sobressaia os valores das diferenças.

E somente assim, em constante formação e transformação como a própria juventude no dia a dia nos mostra podemos sermos melhores e termos clareza do que nossas ações iram construir. Se um outro mundo é possível e uma outra ordem é necessária que façamos da desordem a dialética de nossas vidas para formarmos diferentes do que se propõe.

Para isso Enersto Guevara dizia que deveria endurecer sem perder ternura e ler romance é uma forma de amenizar o academicismo apregoado nos discursos revolucionários.

Podemos nisso entender assim como Boa Ventura Souza Santos que para os Movimentos Sociais alavancarem em sua concepção de mundo e de lutas deve-se perceber que aos diferentes o direito da igualdade para que sejam o que são.

Ou como Rosa Luxemburgo declama em seus momentos de reflexão sobre um mundo melhor, que sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Onde anda os Fichas Sujas?

Como poderíamos esperar, onde está o projeto Ficha Limpa que permitiu mais de 200 candidatos poderem concorrer as eleições com liminares tendo como prerrogativa o termino nas eleições para julgar suas pendências.


E ainda a imprensa persegue o Tiririca, como se fosse por conta de sua expressiva votação ou por ele ter a formação de grande parte dos brasileiros o problema (refletindo o nosso descaso com a educação pública), porem nada contra a sua idoneidade foi levantado.


Daí fica uma pergunta para a sociedade! Será que é seletivo apenas o acesso a justiça, na qual os mais abastados da antiga oligarquia perdem acesso? Ou será que continuamos refletindo no nosso judiciário (o papel de cobrar o cumprimento da lei) a falta de compromisso com a igualdade (apenas no âmbito da jurisprudência) e continuando a história que Chico Science nos cantou: No espaço da Ficha Limpa, todos estão surdos e no espaço da igualdade o de cima sobe e o de baixo desce.

domingo, 21 de novembro de 2010

Lacerda privatiza 81 bens públicos de Belo Horizonte


Está no noticiário, mas ninguém parece ter se dado conta da importância do fato nesta cidade de imprensa submissa: o prefeito Márcio Lacerda (PSB) vai promover a maior privatização de imóveis públicos que Belo Horizonte e talvez qualquer cidade brasileira já viu. Serão 81 imóveis municipais, que irão a leilão, inclusive o Mercado Distrital da Barroca e a mansão residencial do prefeito, localizada às margens da Lagoa da Pampulha, próximo do Museu de Arte, e que tem um painel de Guignard. A informação é que o painel será retirado, mas até que isso aconteça, é melhor desconfiar.

O pior, porém, é ver dezenas de terremos desocupados, com tamanhos variando entre 1 mil e 10 mil metros quadrados, segundo notícia do Estado de Minas, se transformarem em mais espigões. Se tem uma coisa de que Belo Horizonte não precisa hoje é que áreas públicas se transformem em empreendimentos imobiliários. Muito melhor seria ver esses lotes virarem praças e parques, para lazer da população, com muitas árvores para ajudar a despoluir o ar. Ao contrário do que se diz, Belo Horizonte tem pouquíssimas áreas verdes; tem muitas árvores, mas elas estão nos passeios.

Em Belo Horizonte é impossível até andar nos passeios, tomados por lixos, lixeiras, postes, árvores, canteiros, carros e motos estacionados, obras de construção, mesas de bar, cocôs de cachorro, orelhões, caixas de correio e uma infinidade de obstáculos. Áreas públicas são uma necessidade nas grandes cidades. Quando as pessoas moram em casas, têm quintais e conhecem os vizinhos, a vida comunitária se forma assim. Quando casas são substituídas por edifícios, esse convívio desaparece juntamente com espaços privados.

É preciso, portanto, criar praças, parques, espaços de lazer, com bastante verde, para que as pessoas convivam e façam caminhadas, para que crianças brinquem e idosos possam sair dos apartamentos. O prefeito, que mora num condomínio em Nova Lima e se considera moderno, que é rico e já viajou o mundo inteiro, deveria saber disso, pois as grandes metrópoles mundiais estão preocupadas com espaços públicos. Mas não, sua política é de privatizar os espaços públicos e administrar a cidade como se fosse uma empresa lucrativa.

Foi o que fez com a Praça da Estação, cujo uso agora só se dá mediante pagamento de aluguel. Para que um artista se apresente na Praça 7, agora tem que ter alvará, como mostra notícia publicada neste portal. O prefeito gosta também de transformar áreas verdes em empreendimentos imobiliários, como está fazendo com a Mata do Isidoro, que será transformada na Vila da Copa, visando a abrigar delegações para a Copa da Fifa.

A privatização dos espaços públicos será certamente a marca do mandato do prefeito empresário, que tenta administrar Belo Horizonte como uma empresa: o que não dá lucro – cultura, por exemplo – não tem serventia. Não à toa recebeu vaia monumental do maior auditório da cidade, o Palácio das Artes, durante o Festival Internacional de Teatro (FIT), em agosto passado. Já tinha passado por isso na festa de encerramento do festival Comida di Buteco, em maio.

Empresário da cidade, o prefeito atua como auxiliar do capital, que destrói rapidamente todos os espaços vazios da cidade, derruba casas, escolas e até clubes – como acontecerá, ao que tudo indica, com o centro de lazer do América, no Bairro Ouro Preto – para erguer no lugar enormes edifícios.

É dever da prefeitura conter a especulação imobiliária, em defesa da qualidade de vida para os belo-horizontinos. Em vez disso age ela também a favor da deterioração do município. A intenção, diz a notícia, é fazer um caixa de R$ 200 milhões. O mercado vale no mínimo R$ 19,5 milhões; a casa do prefeito, R$ 1 milhão (só? Este é o preço de um apartamento na zona sul…). O governo FHC mostrou o que acontece com dinheiro de privatizações: desaparece sem trazer nenhum benefício social.

É incrível que nenhum representante dos belo-horizontinos, nenhum vereador, nenhuma organização da sociedade tenha ainda se levantado contra a realização desse crime contra o patrimônio público, movendo, inclusive, uma ação na justiça.

domingo, 17 de outubro de 2010

Análise política e compromisso societário


Tenho certeza que algumas coisas são necessárias para uma análise em relação a algumas pautas que vêm sendo colocadas, parte pela esquerda brasileira, parte pela sociedade cristã e conservadora e parte também por aqueles que se julgam diferentes dos atuais modelos e eco-socialistas.

Não podemos esquecer que para uma sociedade ecologicamente pautada nos princípios da sustentabilidade, o capitalismo certamente não é a melhor opção de modelo econômico, pois nada o atrai mais do que a seu papel principal (o lucro). A construção de uma sociedade na qual a harmonia entre homem e natureza não pode se dar apenas como bandeira de governo, mas numa nova hegemonia cultural que percebe a importância de onde chegamos enquanto espécie humana e para onde acreditamos ter capacidade e avançar pensando nos próximos anos e vivendo não ecologicamente, mas humanamente melhor. Daí não podemos pautar o meio ambiente sem esquecer da importância da educação, da cultura, da saúde, da assistência social e demais setores não apenas governamentais que propõe uma qualidade de vida humana e de igualdade e diferença a todos/as cidadãos e cidadãs.

A sociedade cristã e conservadora (pois os cristãos não conservadores poucos deles se organizam na teologia da libertação), deve-se lembrar que a intolerância religiosa e seu papel orientador político no mundo fomentou destruição dos desiguais, morte de índios, ciganos, árabes entre outros povos e culturas ao longo de uma história de cruzadas e de perseguições. Portanto o Brasil conquistou a todos os religiosos e não religiosos algo fundamental para a convivência coletiva, a idéia de um estado laico. Este estado que ainda não se concretiza totalmente por ter mais símbolos religiosos católicos e nada de algum artefato relacionado a Ubanda ou outra religião presente em prédios públicos. Porem a conquista do estado laico faz com que judeus e palestinos possam viver no mesmo bairro de forma harmoniosa.

E por fim, pensando enquanto esquerda brasileira e o desafio a ela coloca, podemos claramente dizer duas coisas fundamentais. A primeira que entre Serra e Dilma não se tem escolha, pois de um lado há um projeto que a menos de 50 anos estava no poder representando a ditadura e a falta de investimentos sociais e de outro um projeto que dialoga com a universidade, com o povo e por mais difícil que seja tenta construir um país de todos.

Agora enquanto esquerda revolucionária, devemos ter claramente a idéia de que não podemos cobrar do PT e de nenhum governo constituído que este faça a revolução como alguns partidos de esquerda querem. Não existe estado fazendo e revolução, o papel do estado não é esse. O papel de construir bases sólidas a revolução vem do povo, da organização dos movimentos sociais e seria injusto querer que pós 500 anos de um passado de governos nada populares apenas o governo Lula / Dilma tenha este papel.

Vamos votar Dilma, mas vamos também nos comprometer que para além das importantes conferências organizadas pelo governo, que tenhamos pautas de reivindicações coletivas, que possamos nas ruas com o povo (principalmente o mais pobre) construir uma idéia de que política não é apenas transferir poder através de um biênio eleitoral, mas a luta do dia a dia acreditando que um outro mundo além de ser possível e necessário pautado na igualdade social, na diferença humana e na possibilidade de sermos totalmente livres como Rosa Luxemburgo um dia deixou este sonho a todos/as nós.

domingo, 10 de outubro de 2010




"Por um mundo onde sejamos socialmente iguais,
humanamente diferentes e totalmente livres"
(Rosa Luxemburgo)

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Cotas também como políticas afirmativas no Brasil



Inicialmente, como Nilma Gomes, intelectual negra no Brasil gostaria de problematizar a necessidade de termos dentro do Serviço Social uma cadeira que discuta a desigualdade e a diferença. Necessidade que já nós esclarece que não temos um país de iguais e de respeito aos diferentes.

Ao longo dos 500 anos, tendo mais tempo ainda de escravidão do que de libertação dos negros brasileiros poderíamos assim como Nilma Lino Gomes argumentar a cerca do debate sobre as cotas étnico-raciais no Brasil tomam por parte da imprensa e das elites brasileiras. Uma polêmica que se afasta da construção histórica do nosso país, um debate calcado numa falsa democracia racial, no real medo dos brancos filhos de brancos tenham que competir por igual num mesmo espaço acadêmico e futuramente na mesma vaga de engenharia ou de medicina, cursos, empregos predominantemente brancos.

O tempo todo se escuta dos grandes meios de comunicação o mesmo argumento apresentado por Demétrio Magnoli quando explicita a relação de porque “quase brancos” estão ocupando vagas negras nas universidades que oferecem sistema de cotas, que os brancos saem no sistema de cotas em situação de desvantagem.
Argumento clássico para justificar a não existência de uma das políticas que englobam um sistema de políticas afirmativas no Brasil.
Vale lembrar que a idéia das políticas afirmativas consegue ir muito alem da concessão das cotas nas universidades, Nilma Gomes, a autora descreve algumas já medidas implantadas como:

A reivindicação por cotas étnicas não se limita ao acesso à universidade. Em alguns setores do poder público, elas já são uma realidade: o Ministério de Desenvolvimento Agrário, o Ministério do Trabalho e o Ministério da Justiça já implementaram cotas étnicas. (GOMES, 2003;03)

Poderia trazer a realidade da cidade de Belo Horizonte, na qual a discussão sobre o combate a desigualdade racial entra em cena pública em mil novecentos e noventa e quatro, quando a administração municipal passa a trazer um sistema de cotas na publicidade dos programas municipais e nas esferas de poder dos cargos públicos.

Além de Belo Horizonte, a cidade de Contagem, por volta de dois mil e cinco, implanta uma série de estratégias para que os negros tenham poder no âmbito da administração pública quanto políticas afirmativas como resgate cultural do Quilombo dos Arturos na região central da cidade.


O Professor Kabengele Munaga ressalta em seus argumentos que a defesa da cota é uma busca justa pela equidade já que os negros no Brasil não são tratados de forma igualitária como os brancos, tanto historicamente quanto na vivência cotidiana por mais que o preconceito seja velado. A busca pelas cotas tem como objetivo é provocar no nível acadêmico e na esfera do conhecimento cientifico maiores olhares e vivências sociais que antes eram feitas pelo mesmo público.

Trazer negros pobres para a universidade é fazer com que amanhã um negro possa ter mais sensibilidade e identidade com a Lei 10.639 que regulamenta o ensino da história da África nas escolas, algo que alguns professores brancos fazem questão de muitas das vezes esquecer-se de problematizar em sala de aula.

Porem não basta como Nilma Gomes pontua, apenas o acesso a universidade, mas toda construção de políticas afirmativas, que são imprescindíveis e para que deixem de ser políticas de governo e passem a ser política de Estado. Jamais pode-se pensar tais políticas sem o estatuto da igualdade racial (luta histórica conquistada), este que tem como primazia defender assim como Boaventura Souza Santos respeitar as diferenças dando a todos e todas condições iguais de existência.


terça-feira, 28 de setembro de 2010

Não vote apenas, Lute também!

Latino americano



A unidade se faz quando percebemos
Que a história que igualmente temos
E o mundo que juntos queremos
Apenas coletivamente poderemos buscar.

No passado de invasões européias
E nos golpes estadunidenses provocados
Nos governos militares que nos deixavam calados
Rompemos e não queremos a essa história voltar.

Um continente presente em luta e rebeliões
Com sangue latino lavando diversas escravidões
Que vão dos navios negreiros a farsa do sistema capitalista

Porem a revolta que se transforma em luta nos corações
Marcados pelo orgulho latino e pelas inúmeras paixões
De um mundo melhor e possível sempre a nossa vista.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Criança Esperança e o assistencialismo


Não gostaria de ser irônico, porem todos os anos algo me tira do sério. Quando chega por volta do mês de agosto, que aparecem atores da Rede Globo, cantores, pessoas do meio empresarial e crianças manipuladas para dizer o script de gravação dizendo doem amor, doem para o Criança Esperança.

Mais uma vez a velha história que o Brasil precisa da sua solidariedade, precisa da sua ajuda, da sua forma de amar através de ligação telefone e de contribuindo para o sorriso do próximo.

Daí vem, insistentemente buscando parceiros assistencialistas para financiar seu abatimento de imposto e livrar seus corações capitalistas da necessidade de ir as ruas lutar par que o país tenha melhores condições nas políticas urbanas e sociais. Pois é mais fácil sentir-se responsável doando cinco reais por telefone do que conhecer a realidade dos milhões de brasileiros em déficit habitacional, ou então limpar seus corações de amor ajudando o Criança Esperança esquecendo que sem políticas públicas as crianças viram adolescentes, jovens e quando adultas não vão poder freqüentar as aulas de circo da ONG, velha matriz da solidariedade brasileira.

Ou melhor, doe o quanto quiser, pois como diz a Rede Globo, essa corrente precisa de sua ajuda, assim como a Rede Globo precisa da nossa audiência no Jornal Nacional para conseguir passar a informação mais alienante possível no intuito de que tenhamos a vontade de acreditar que nossa luta nunca dará certo.

As manifestações da Questão Social são provocadas pelo modo de produção capitalista e que por sinal torna-se cada vez mais distante a luta contra tais manifestações quando ao invés de lutar conjunto ao próximo por um mundo mais justo sentamos como Raul Seixas cantava ao trono de um apartamento com a boca escancarada e cheia de dentes, mas sem esperar a morte chegar, antes de ela chegar nos vangloriamos que num mundo de pobres ainda temos algum para ajudar-los.

Não se doa amor, sentimentos se compartilham, pois não podem ser de um só, não se ajuda, se luta para que as coisas melhorem. Mas já se dependesse da Rede Globo, acabaríamos com as políticas sociais, com as escolas e com demais espaços de direitos e viveríamos de doações telefônicas na espera de contribuir para um país mais justo. Na contra mão do acesso igualitário a Rede Globo promove um acesso seletivo sendo que as entidades existem até quando quiserem, não se é direito estar lá, quanto que uma escola não fecha porque o Diretor está cansado dos alunos, educação é direito garantido constitucionalmente.

E ai Didis, e ai Xuxas, o que foi construído do patrimônio de vocês foi a base de doação? O que os donos das grandes empresas têm foi a base de doação? Se não sonegassem tanto imposto de renda (imposto contributivo, quem ganha mais paga mais, quem ganha menos paga menos e quem ganha nada não paga nada) talvez o nosso país seria muito mais justo, mas enquanto isso vamos mudá-lo com nosso amor, assistencialismo, carinho e solidariedade? Essa corrente não terá minhas mãos.


Leonardo Koury Martins

sexta-feira, 23 de julho de 2010

EMENDA 65 - JUVENTUDE

Presidência da República
Casa CivilSubchefia para Assuntos Jurídicos

Altera a denominação do Capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal e modifica o seu art. 227, para cuidar dos interesses da juventude.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
Art. 1º O Capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal passa a denominar-se "Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso".
Art. 2º O art. 227 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos:
...................................................................................................
II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.
...................................................................................................
§ 3º ..........................................................................................
...................................................................................................
III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola;
...................................................................................................
VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins.
...................................................................................................
§ 8º A lei estabelecerá:
I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens;
II - o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas." (NR)
Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, em 13 de julho de 2010.

sábado, 19 de junho de 2010

Homenagem a José Saramago


Em poucas palavras descrever este comunista poeta e escritor que em suas palavras deixaram marcas profundas na vida de muitas pessoas, deixaram características marcadas no homem mais Nobel da língua portuguesa, deixaram sentimentos marcados na sua sensibilidade militante.

Por não saber o que escrever e por saber que vale a pena deixar tais marcas abertas para que não possamos nos esquecer deixo aqui algumas citações celebres deste que como Bertold Brecht classificaria como alguém impressionável por ter lutado toda sua vida.


"Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar."

"Para temperamentos nostálgicos, em geral quebradiços, pouco flexíveis, viver sozinho é um duríssimo castigo."

"Não sou um ateu total, todos os dias tento encontrar um sinal de Deus, mas infelizmente não o encontro."

"Dirão, em som, as coisas que, calados,no silêncio dos olhos confessamos?"

"Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos."

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Greve dos Professores

A velha pergunta volta a cena na sociedade mineira: quem se importa com os professores e professoras? Mantendo a luta a quarenta dias, profissionais da educação demonstram garra frente a falta de dialogo e descaso do Governo Aécio Neves-Anastasia com os/as responsáveis pela educação dos seus filhos e filhas, pela formação humana e pela consolidação da cidadania.

Lutar por um mundo melhor não se pode começar sem passar pela educação e que a mesma seja laica, pública, gratuita, presencial e de qualidade. Antes disso que esta educação tenha como princípio norteador a libertação e a construção da autonomia, bem longe do fatalismo e das grades tão denunciadas pelo educador Paulo Freire.

Na terça-feira (18) professores e professoras de todo estado reuniram em assembléia e definiram continuar pois este manifesto público denominado de "greve por direitos" tendo como proposta muito mais do que a adesão do piso nacional de educação, mas a possibilidade de dialogar com os mineiros e mineiras como andam as condições dos profissionais da área, infraestrutura das escolas, a privatização do ensino superior estadual, a farsa do Conselho Estadual de Educação entre outros entraves que fazem Minas Gerais retroceder, pois o "Choque de Gestão" serve para investir na privatização das estradas e presídios e economiza nas políticas sociais.

Em tempos de eleição acordar o povo sobre o que a imprensa não anda dizendo vale a pena, ainda mais que a greve é um direito.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Marcha da Maconha em BH e no Brasil.



Começa em 2010 a jornada da Marcha da Maconha no Rio de Janeiro, passando por Belo Horizonte e indo para todo o Brasil com a discussão sobre a legalização da maconha. O cigarro provocador de câncer de pulmão, doenças crônicas bucais e também o fomento do mercado capitalista do tabagismo vem paralelo as maravilhosas propagandas da indústria da cerveja que não tem a dimensão da liberdade de poder plantar, cultivar e consumir o cannabis sativa sem utilizar o mercado do tráfico de drogas ou da venda, padaria ou supermercado.

Poder plantar, cultivar e consumir algo da natureza fortalece cada vez mais a idéia na cabeça da juventude de todo território nacional, porem os entraves morais formulados pela grande mídia (quem são os donos dos meios de comunicação?) e pela justiça (quem são os juízes e desembargadores?) tentam garantir com que a falsa legalidade impere trazendo o enquadro criminal seja como usuário ou traficante.

A muito tempo se discute o tráfico de drogas numa lógica criminalista (quem são os verdadeiros donos da justiça?) para desviar os olhos da sociedade na discussão da saúde pública ou até mesmo dos direitos individuais.

Sem constrangimento vale opinar que se querem um mundo longe da criminalidade que não punam o usuário da maconha com a intermediação do traficante e menos ainda deixem tal mercado capitalista se enriquecer com armas nas mãos de jovens (quem são os fabricantes de armas?) e menos ainda a clandestinidade do plantio (quem empresta o avião para sair da Colômbia e chegar no Brasil?).

Em ritmo do histórico Planet Hemp! quem são os verdadeiros donos do capital, os pobres ou os ricos? Porem a multidão maconheira do Brasil apenas quer paz e liberdade para fazer o que já anda fazendo escondido, não queremos nossos filhos em ritmo de Bezerra da Silva, queremos apertar e acender agora. Botando os pingos nos 'is' e tendo a tranquilidade de dizer que "amar e mudar as coisas enteressa mais a Marcha da Maconha"...


terça-feira, 13 de abril de 2010

Bush limpa a mão em Clinton após cumprimentar haitianos



Um vídeo da TV britânica BBC está chamando a atenção do mundo por causa da atitude do ex-presidente norte-americano George W. Bush ao apertar as mãos da população do Haiti durante visita ao país, na segunda-feira (22), ao lado do também ex-presidente Bill Clinton.



Bush limpa a mão na camisa do colega americano após encontro com moradores do país devastado.



Fonte: www.folhadaregiao.com.br

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Irã, armas por quê? Soberania para que? Uma pequena análise de conjuntura.

Nos últimos anos ouvimos dizer sobre o crime humanitário que os iranianos vêem cometendo na produção de armas nucleares ou enriquecimento de urânio para fins pacíficos.

Porem ao mesmo tempo a grande mídia aliada ao pensamento capitalista traz apenas dizeres norte-americanos entre outros países aliados dos estadunidenses que levam em consideração a preocupação com o bem estar da humanidade.

Daí começa a levantar algumas questões fundamentais sobre o porquê do fortalecimento bélico e o para que sirva da soberania de uma nação.

Se formos levar em consideração a história da soberania, de acordo com Jean Bodin, soberania refere-se à entidade que não conhece superior na ordem externa nem igual na ordem interna. É o fortalecimento e independência de algo ou alguém sobre algo ou alguém. É a forma mais límpida de dizer que um país possa representar pelos seus ideais e interesses, buscar de sua forma resolver suas questões internas e expressar externamente sobre suas decisões qual interessam primeiramente a sua população residente.

Portanto este conceito é o tempo inteiro descartado quando falamos dos inimigos do governo estadunidense, desde que sua soberania se subalterne a americana qualquer país pode pensar em comer como quiser, sendo que siga a cartilha liberal.

Para que ser um país se não puder fazer suas próprias escolhas, no fortalecimento da guerra ou na manutenção energética de seu estado constituído (de democracia deixo para a rainha da Inglaterra responder, pois a família real está no poder inglês a mais de séculos).

Portanto pensar políticas de fortalecimento bélico ao Irã é questão de sobrevivência se partir a observar a visão dos analistas internacionais possivelmente mais “neutros” do que da grande mídia, o fenômeno da instabilidade política e militar não está na cota iraniana, sendo que nos últimos dez anos o único país a abrir duas frentes de guerra foram os Estados Unidos.

Não satisfeitos em abrir duas guerras, ainda anunciam publicamente seus inimigos internacionais, propõem sansões econômicas, dialogam com outros países com arrogância, propiciam em seu discurso a falta de boa vontade em relação as questões ambientais, entre outras falácias que a história lembra as armas químicas inventadas para a invasão do Iraque, Guantánamo e seu mausoléu de torturas, o Vietnã, as ditaduras latino americanas. Podemos ser até mais explícitos em porque duas explosões nucleares? Duas em solo Japonês que praticamente estava em desertar da segunda guerra.

A questão não é se armar ou não se armar, pois Zun Tsu dizia que a maior defesa muitas das vezes é o ataque, e por questão de soberania devemos deixar ao Irã decidir o que busca de seu enriquecimento de urânio. Afinal como palavras do último presidente norte-americano, o Irã é declarado publicamente inimigo número um acompanhado da Coréia do Norte e da Palestina, inimigo de um país que nasce dizendo que respira em seu ar a liberdade.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Praia da Estação, protesto revolucionário


A cada dia ganha mais adeptos o movimento conhecido como "Praia da Estação", na qual é palco histórico de diversas manifestações populares e cena pública dos movimentos sociais e do povo belo horizontino.

O DECRETO Nº 13.798 DE 09 DE DEZEMBRO DE 2009 do prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda, proíbe que aconteça qualquer tipo de evento na Praça da Estação. A pergunta permanece: a quem interessa que os espaços públicos sejam apenas pontos de passagem e consumo?

Porque praças como a praça do Papa (no mangabeiras)e a praça São Francisco de Assis (na lagoa da pampulha) podem ser utilizadas para tais eventos e espaços sociais, sendo que a maioria da população metropolitana do estado muitas das vezes tem acesso (transporte, identidade, familiaridade) com a praça da Estação.

Todos os sábados, um caminhão pipa abastece uma onda de manifestantes que levam suas sungas, seus biquinis, suas boias e demais "apetrechos" para uma deliciosa estada praiana em plena capital mineira.

Protestar é válido, lutar pelo direito de que os locais públicos sejam usufruto de todos é mais válido ainda. As manifestações começam por volta de 10 horas sendo o apogeu quando o caminhão pipa aparece, por volta de 1 hora da tarde. Independente de partido, movimento, ideologia, lutar pelo coletivo é muito importante.

Vale apena aderir a esta idéia.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Os pecados do Haiti



Publicado em 15 de Janeiro de 2010 por Eduardo Galeano
tradução livre de Antonio Folquito Verona)


A democracia haitiana nasceu há muito pouco. No seu breve tempo de vida, esta criatura faminta e enferma não recebeu nada, além de bofetadas. Estava ainda recém nascida, nos dias de festa de 1991, quando foi assassinada pela quartelada do general Raul Cedras. Três anos mais tarde, ressuscitou. Depois de terem colocado e retirado tantos ditadores militares, os Estados Unidos pegaram e impuseram o presidente Jean-Bertrand Aristide, que havia sido o primeiro governante eleito por voto popular em toda a história do Haiti e que havia tido a louca aspiração de querer um país menos injusto.

O voto e o veto


Para apagar as nódoas da participação norte-americana na ditadura carniceira do general Cedras, os infantes de marinha levaram 160 mil páginas dos arquivos secretos. Aristide regressou acorrentado. Deram-lhe permissão para retomar o governo, mas o proibiram exercer o poder. Seu sucessor, René Préval, obteve quase 90 por cento dos votos, porém mais poder que Préval tem qualquer burocrata de quarta categoria do Fundo Monetário ou do Banco Mundial, ainda que o povo haitiano não o tenha sequer eleito com um voto apenas.


Mais que o voto, pode o veto. Veto às reformas: cada vez que Préval, ou algum de seus ministros, pede créditos internacionais para dar pão aos famintos, instrução aos analfabetos o terra aos camponeses, não recebe resposta, ou o contradizem ordenando-lhe: - Faça a lição! E como o governo haitiano nunca aprende que deve desmantelar os poucos serviços públicos que ainda permanecem, últimos pobres amparos para um dos povos mais desamparados do mundo, os professores acabam sempre por reprová-lo.


O álibi demográfico


No final do ano passado quatro deputados alemães visitaram o Haiti. Assim que chegaram, a miséria do povo os atingiu frontalmente. Então o embaixador de Alemanha lhes explicou, em Porto Príncipe, qual é o problema: - Este é um país demasiadamente povoado - disse-. A mulher haitiana sempre quer e o homem haitiano sempre pode.


E riu. Os deputados se calaram. Essa noite, um deles, Winfried Wolf, consultou as cifras. E comprovou que o Haiti é, com El Salvador, o país mais superpovoado das Américas, tanto quanto a Alemanha: tem quase a mesma quantidade de habitantes por quilometro quadrado. Em sua passagem pelo Haiti, o deputado Wolf não apenas foi atingido pela miséria: também ficou deslumbrado pela capacidade de expressar a beleza dos pintores populares. E chegou à conclusão de que o Haiti está superpovoado… de artistas.


Na realidade, o álibi demográfico é mais o menos recente. Até a alguns anos, as potências ocidentais falaram bem mais claro.


A tradição racista


Os Estados Unidos invadiram o Haiti em 1915 e governaram o país até 1934. Retiraram-se quando alcançaram seus dois objetivos: cobrar as dívidas do City Bank e revogar o artigo constitucional que proibia a venda de terras aos estrangeiros. Robert Lansing, então secretário de Estado, justificou a prolongada e feroz ocupação militar explicando que a raça negra é incapaz de se governar por si mesma, que possui “uma tendência inerente à vida selvagem e uma incapacidade física de civilização”. Uno dos responsáveis pela invasão, William Philips, havia elaborado anteriormente a sagaz idéia: “Esse é um povo inferior, incapaz de conservar a civilização que tinham deixado os franceses”.


O Haiti havia sido a pérola da corona, a colônia mais rica da França: uma grande plantação de açúcar, com força de trabalho escrava. No espírito das leis, Montesquieu o havia explicado sem travas na língua: “O açúcar seria demasiado caro se não trabalhassem os escravos para sua produção. Esses escravos são negros desde os pés até a cabeça e têm o nariz tão esmagado que é quase impossível ter deles alguma pena. Resulta impensável que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma e sobretudo uma alma boa num corpo inteiramente negro”.


Em troca, Deus havia colocado um chicote na mão do feitor. Os escravos não se distinguiam por sua vontade de trabalho. Os negros eram escravos por natureza e vadios também por natureza; e a natureza, cúmplice da ordem social, era obra de Deus: o escravo devia servir ao amo e o amo devia castigar o escravo, que não mostrasse o menor entusiasmo na hora de cumprir com o desígnio divino. Karl von Linneo, contemporâneo de Montesquieu, havia retratado o negro com precisão científica: “Vagabundo, desocupado, negligente, indolente e de costumes dissolutos”. Mais generosamente, outro contemporâneo, David Hume, havia comprovado que o negro “pode desenvolver certas habilidades humanas, como o papagaio que fala algumas palavras”.


A humilhação imperdoável


Em 1803, os negros do Haiti ocasionaram uma tremenda derrota às tropas de Napoleão Bonaparte e Europa não perdoou jamais essa humilhação infligida à raça branca. O Haiti foi o primeiro país livre das Américas. Os Estados Unidos haviam conquistado antes sua própria independência, porém conservava ainda meio milhão de escravos trabalhando nas plantações de algodão e de tabaco. Jefferson, que era senhor de escravos, dizia que todos os homens são iguais, mas também dizia que os negros foram, são e serão inferiores.


A bandeira dos livres se içou sobre as ruínas. A terra haitiana havia sido devastada pele monocultura do açúcar e arrasada pelas calamidades da guerra contra a França. Uma terça parte da população havia caído em combate. Então, começou o bloqueio. A nação recém nascida foi condenada à solidão. Ninguém comprava dela, ninguém lhe vendia, ninguém a reconhecia.


O delito da dignidade


Nem mesmo Simão Bolívar, que soube ser tão valente, teve a coragem de assinar o reconhecimento diplomático do país negro. Bolívar poderia ter reiniciado sua luta pela independência americana, quando já havia derrotado a Espanha, graças ao apoio do Haiti. O governo haitiano lhe havia entregado sete navios, muitas armas e soldados, com a única condição que Bolívar libertasse os escravos, uma idéia que ao Libertador não lhe passava pela cabeça. Bolívar cumpriu com esse compromisso, porém depois de sua vitória, quando já governava a Grande Colômbia, deu as costas ao país que o havia salvado. E quando convocou as nações americanas para a reunião do Panamá, não convidou o Haiti, mas sim a Inglaterra.


Os Estados Unidos reconheceram o Haiti depois de sessenta anos do final da guerra de independência, enquanto Etienne Serres, um gênio francês da anatomia, descobria em Paris que os negros são primitivos porque possuem pouca distância entre o umbigo e o pênis. Naquele instante, o Haiti já estava nas mãos de carniceiras ditaduras militares, que destinavam os famélicos recursos do país para pagar a dívida com ex-metrópole: a Europa havia imposto ao Haiti a obrigação de pagar à Francia una indenização gigantesca, como modo de ver-se perdoado por ter cometido o delito da dignidade.


A história do assédio contra o Haiti, que em nossos dias tem dimensões de tragédia, é também una história do racismo na civilização ocidental.


sábado, 30 de janeiro de 2010

As marcas das ditaduras e a revelação dos sobreviventes




“Só assim brilha a Revelação Numa época que Te rejeitou Teu nada é a única experiência Que de Ti é permitida” Gershom Scholem, em “Com um exemplar do Processo de Kafka”

“Uma sociedade com futuro é uma sociedade com memória. Não por conta do nunca mais, não, que eu não acredito nisso. Mas para que a vida em comunidade faça sentido”, disse Lilian Celiberti, na terça-feira (26), em Porto Alegre, pouco antes de Lula pegar o microfone. Lilian Celiberti, militante feminista uruguaia e uma das poucas sobreviventes da Operação Condor, sabe o que essas palavras significam.

Mas o que elas querem dizer? O que organiza a exigência da memória na vida política de um povo? Por que essas palavras fazem sentido e como se pode traduzir a clareza na face de Lilian Celiberti, quando as pronunciou, para milhares de participantes do FSM?

O Projeto Direito à Memória e à Verdade – Aos que morreram na luta por um Brasil livre – organizou o Seminário “Sobreviventes: Marcas das Ditaduras nos Direitos Humanos”, na tarde do dia 27, como atividade paralela ao FSM. Os sobreviventes convidados foram o jornalista Bernardo Kucinski e a atual secretária de Direitos Humanos da da cidade do Recife e fundadora do Movimento Tortura Nunca Mais, Amparo Araújo.

Quando Bernardo começou a ler o texto que preparou para a ocasião ficou dolorosamente evidente o quanto essas interrogações acima não são triviais. E exatamente por isso resplandeceram duas exigências, de natureza moral, anti-jornalísticas: não usar um gravador e não tecer anotações num caderno. A melancolia do sobrevivente é, observou Bernardo, incontornavelmente individual e em certa medida irredutível à linguagem.

Agostinho de Hipona disse que “a morte era um embaraço para a linguagem”. E o desaparecimento, o extermínio, a tortura, a transmissão perversa da culpa e a perpetuação da suspensão do luto são embaraços para o quê ou para quem? Do que se faz essa impossibilidade de consumar o luto e qual a relação desse luto em suspenso com o silêncio que não se pode traduzir? Qual, enfim, é e qual deve ser o destino da culpa?

Bernardo Kucinski é um dos sobreviventes da ditadura militar brasileira que contabiliza, dentre os seus desaparecidos, sua irmã Ana Rosa Kucinski e seu cunhado, Wilson Silva. Ambos, desaparecidos desde abril de 1974, compõem parte do “nada” de Bernardo de que o poema de Gershom Scholem nos fala, a respeito do texto de Kafka. Compõem uma parte que talvez se pudesse chamar de continuidade, de um luto sem termo inicial claro. Ele falou do silêncio de seu pai, o imigrante judeu polonês Majer Kucinski, a respeito de irmãs mortas, uma, num campo de extermínio e outra, pelas forças de ocupação nazista na França. Desta tia descobriu o nome há pouco, disse, sem saber se era casada e como vivia.

A sobrevivência parece se confundir, nas palavras que Bernardo vai lendo no microfone, com uma posição histórica. A sua mãe, Ester, também silenciara aos filhos que tinha tido toda a família exterminada pelas tropas nazistas na invasão da Polônia. E que seu tio era, junto a ela, o único sobrevivente daquele núcleo familiar desfeito para sempre. Bernardo conta que Ester morreu aos 50, de câncer, mas que tinha morrido mesmo naquele dia em que todos foram exterminados. Aquele dia em que o embaraço da linguagem se tornou um silêncio de décadas. Sobre essas coisas não se falava na sua casa.

O desaparecimento de sua irmã e de seu cunhado foi um episódio inimaginavelmente doloroso para a sua família. E parece ter sido por ocasião deste evento que Bernardo tenha explicitado o fio condutor da memória silenciada, que não aleatoriamente é o mesmo que liga as ditaduras. A culpa que guarda a pretensão da função de um predicado atemporal e intransitivo do sobrevivente foi exemplarmente apresentada, lembrou Berrnardo, em A Escolha de Sofia(William Styron, 1979). Por que o soldado alemão não matou as duas crianças, em vez de pedir à mãe que ela escolhesse, entre o filho e a filha, qual iria morrer? A despeito de quem seja esse sujeito, há um dispositivo que o ultrapassa e que opera, nessa ordem macabra, a perversidade da transmissão da culpa. A transferência da culpa para a vítima e, assim, a perpetuação do sofrimento. O destino da culpa de Sofia é o suicídio, como se sabe. O livro de Styron é obra de ficção; seu argumento, não.

O que está moralmente em jogo na exigência da verdade a respeito dos desaparecidos é o destino que essa culpa deve ter. Porque a exigência da verdade, da punição e da reparação, ao contrário da melancolia, habitam uma dimensão pública, política jurídica, estatal e histórica.

Amparo Araújo é irmã do militante, desaparecido em 1971, Luiz Araújo. Ela demonstrou como se passa da melancolia confinada e irremediavelmente confinada, ao seu contrário: a ação pública, inegociável, juridicamente consistente, politicamente honrosa, de lembrar e exigir a reparação do Estado. Amparo poderia falar durante horas e dias sobre a sua trajetória e talvez não demonstrasse com a mesma clareza como se dá essa passagem, como quando disse que tinha voltado a ter pesadelos, por ocasião da reação lacaia à criação da Comissão da Verdade. Amparo pôs a mão no peito e disse mais ou menos: “Eu sempre tive uma dor só minha, aqui no meu colo, sabe?”, disse, com a mão repousando sobre o colo. “Pois agora voltou a doer, assim, fisicamente, de novo”. Essa dor deve ser retribuída, como justiça.

Uma das lições mais elementares do direito penal é a de que a conduta criminosa é singularmente imputável. O fundamento dessa exigência de imputabilidade é o pressuposto de que todo criminoso é, antecedentemente, uma pessoa de direitos. Toda punição no âmbito estritamente penal repousa na imputação legítima de uma culpa, feita pela lei e executada pelo Estado de direito. Essa estrutura da operação punitiva não se estende aos crimes do estado, e menos ainda aos crimes contra a humanidade. A humanidade, diferentemente da vítima a, b, c, não deixa de sê-lo, não desaparece enquanto tal da mesma maneira que os indivíduos, não é singularizável. Essas considerações rudimentares de direito talvez possam ser traduzidas com a afirmação já aceita no nosso STJ, por exemplo, de que direitos inalienáveis não prescrevem, a título de combate à indigente tese de aparência jurídica de que os crimes da ditadura teriam prescrito.

Bernardo deixou claro que sabe quem são os torturadores, e é muito provável que também Amparo e demais vítimas das atrocidades da ditadura brasileira o saibam. A inversão do destino da culpa e a reparação não se situam no âmbito de uma relação comutativa, trivialmente retributiva, entre torturador e torturado, entre carrasco e cadáver desconhecido. O que faz com que, até hoje, pessoas procurem a família de Bernardo para dar pistas falsas da sua irmã, dizendo que ela está viva, morando no Canadá, por exemplo? Por que há o cuidado de reiterar a dor da perda, de cristalizar a angústia, de insistir em semear a hipótese da fraqueza, da frustração, da derrota? Se é a perversidade que explica essa conduta, e certamente o é, ela não é um traço singular, psicológico, qualquer, mas uma ação política. E histórica.


Fonte: http://fsm10.procempa.com.br/wordpress/?p=2772

“Acordei com um sonho e com o compromisso de torná-lo realidade"
Leonardo Koury Martins

"Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar"
Saramago

"Teoria sem prática é blablabla, prática sem teoria é ativismo"
Paulo Freire

"Enquanto os homens não conseguirem lavar sozinhos suas privadas, não poderemos dizer que vivemos em um mundo de iguais"
M.Gandhi

"Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres"
Rosa Luxemburgo