O poder torna as pessoas estúpidas e muito poder, torna-as
estupidíssimas. (R. Kurz)
O psicanalista J. Lacan,observou que a partir do momento em
que alguém se vê "rei", ele muda sua personalidade. Um cidadão
qualquer quando sobe ao poder, altera seu psiquismo. Seu olhar sobre os outros
será diferente; admita ou não ele olhará "de cima" os seus
"governados", os "comandados", os "coordenados",
enfim, os demais.
Estar no poder, diz Lacan, "dá um sentido interiormente
diferente às suas paixões, aos seus desígnios, à sua estupidez mesmo".
Pelo simples fato de agora ser "rei", tudo deverá girar em função do
que representa a realeza. Também os "comandados" são levados pelas
circunstâncias a vê-lo como o "rei do pedaço".
La Boétie parecia indignado em perceber o quanto o lugar
simbólico de poder faz o populacho se oferecer a uma certa "servidão
voluntária". Bourdieu chama-nos atenção para a força que o símbolo exerce
sobre os indivíduos e grupos. Antes de ocupá-lo, o poder atrai e fascina;
depois de ocupado tende a colar a alguns como se lhes fossem eterno. Aí está a
diferença entre um Fidel Castro e um Nelson Mandela. O primeiro e a maioria dos
ditadores pretendem se eternizar no poder, o segundo, mais sábio, toma-o como
transitório, evitando ser possuído pelo próprio. ("Possuído", sim,
pois o poder tem algo de diabólico, que tenta, que corrompe, etc).
Uma vez no poder, o sujeito precisará de personas (máscaras)
e molduras de sobrevivência. A persona serve para enganar a si e aos outros. A
moldura, é algo necessário para delimitar simbolicamente a ação dele enquanto
representante do poder. A ausência de moldura ou o seu mau uso fará irromper a
força pulsional do sujeito que anseia por mais e mais poder, podendo vir a se
tornar uma patologia psíquica. A história coleciona exemplos: Hitler, Stalin,
Mobutu, Collor de Melo, Pol Pot, Idi Amim, etc.
No filme As loucuras do rei George III, da Inglaterra, somos
levados a perceber duas coisas: o quanto
que as pessoas recusavam a idéia de um rei que perdeu a razão em função de uma
doença e, que fazer para impedir alguém que representa o poder máximo de uma
nação, devido a suas loucuras?
O poder faz fronteira com a loucura. Não é sem motivo que
muitos loucos se julgam Napoleão ou o Rei Luis XV. Parece que há algo de
"loucura narcísica" nas pessoas que anseiam chegar ao poder político
(governante de uma cidade, estado ou país, ministro, membro do secretariado
local), ou ao poder de uma instituição, empresa, departamento, pequeno setor de
uma organização qualquer ou grupo qualquer. O narcisismo de quem ocupa o poder,
revela-se na auto-admiração (o amor a si e aos seus feitos), na recusa em
aceitar o que vem dos outros e no gozo que ele extrai do poder, que, levado ao
extremo poderia revelar loucura. R. Kurz, é direto ao declarar que "o
poder torna as pessoas estúpidas e muito poder, torna-as estupidíssimas".
O sociólogo M. Tragtenberg certa vez observou como muitos
intelectuais discursam uma preocupação pelo "social", mas estão mesmo preocupados com a sua "razão do
poder". Há uma espécie de "gozo louco" pelo poder, que faz subir
a cabeça dos que estão jogando para ganhá-lo um dia.
Do ponto de vista psicológico, observa-se que o poder faz o
ocupante perder a própria identidade pessoal e assumir outra, contornada pela
"fôrma" do próprio poder. Os cargos executivos (presidente,
governador, prefeito, diretor, reitor, etc), tem uma fôrma própria, um lugar
que marca uma certa diferença em quem a ocupa em relação aos cargos de segundo
escalão (ministros, secretários disso e daquilo, chefes de gabinetes,
assessores, etc). As "pequenas autoridades" dos escalões inferiores -
mas com algum poder - costumam ter
atitudes mais protofascistas que as grandes. São mais propensas a "vender
sua alma ao diabo" que as grandes para estar no poder.
O psicólogo Ricardo Vieira, da UERJ, de quem me inspirei
para continuar seu artigo, levanta os quatro primeiros indicadores de mudanças
que ocorrem com as pessoas que chegam ao
poder:
1) no modo de vestir: o terno, a gravata, o blazer e o
tailleur que, antes eram utilizados em circunstâncias especiais, passam a ser usados
cotidianamente, mesmo quando não é necessário utilizá-los. Alguns demonstram
certo constrangimento em trocar a
surrada camiseta e passar a usar um blazer ou uma camisa de linho, pelo menos
nas ocasiões especiais. Se antes usava um cabelo comprido, despenteado, logo é
orientado a cortá-lo, penteá-lo, dar um trato. Na última eleição para prefeito
de Maringá, um candidato foi orientado pelo seu marketeiro para mudar o cabelo
enrolado por um penteado de brilhantina. Perdeu a eleição.
2) mudam as relações pessoais: os antigos companheiros
poderão ser substituídos por novos, que o leva a sentir-se menos ameaçado. O
sentimento persecutório de "ser mal visto", precisa ser evitado a
qualquer preço por quem ocupa o poder.
3) altera o tratamento com o outro, que torna-se autoritário
com seus subordinados; gritos e ameaças passam a ser seu estilo. Certa vez,
perguntaram a Maquiavel se era melhor ser amado que temido? O autor de O
príncipe respondeu que "os dois mas se houver necessidade de escolha, é
melhor ser temido do que amado".
4) mudam os antigos apoios e alianças. Aqueles que o
apoiaram chegar ao poder, transformam-se
em arquivos vivos dos seus defeitos. O poder leva a desidentificação com os antigos colegas de profissão. É o caso
do presidente FHC e do seu Ministro da Educação Paulo Renato Souza, depois de
executivos, ambos não se vêem mais professores.
5) Resistência em fazer auto-crítica. Antes, vivia
criticando tudo que era governo ou tudo que constituía como efeito de governo.
Mas, logo que passa a ocupar o poder, revela "sua outra face", não
suportando a mínima crítica. O poder os torna cegos e surdos a crítica. Uma
pesquisa de Pedro Demo, da Universidade de Brasília, constata que os
profissionais de academias apreciam criticar a tudo e a todos, mas são pouco
eficazes na crítica para consigo mesmos. Enquanto só teorizavam, nada
resolviam, mas quando passam a ocupar um cargo que exige ação prática, terá que
testar a teoria; agora é que "a prática se torna o critério da
verdade". Por falta de referencial e por excesso de idealismo, é freqüente
ocorrerem bobagens e repetições dos antigos adversários, tais como: fazer
aumentos abusivos de impostos, aplicar multas injustas, discursos cínicos para
justificar um ato imoral de abuso de poder, etc. Há um provérbio oriental que
diz: "quem vence dragões, também vira dragão".
Os sujeitos quando no poder protege-se da crítica reforçando
pactos de auto-engano com seus colegas de partido. Reforçam a crença de que
representam o Bem contra o Mal, recusam escutar o outro que lhe faz crítica e
que poderia norteá-lo para corrigir seus erros e ajudar a superar suas contradições.
Se entrincheirarem no grupo narcísico, o discurso político tornar-se-á
dogmático, duro, tapado, e podemos até prever qual será o seu futuro se tomar o
caminho de também eliminar os divergentes internos e fazer mais ações de
governo contra o povo, "em nome do povo".
Infelizmente assim é o poder: seduz, corrompe, decepciona e
faz ponto cego e surdo nos seus ocupantes temporários.
Raymundo de Lima - Psicanalista e professor da UEM
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